ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

História dos Cuidados Paliativos


História dos Cuidados Paliativos

A origem dos hospices remonta à Fabíola, matrona romana que no século IV da era cristã abriu sua casa aos necessitados, praticando assim ‘obras de misericórdia’ cristã: alimentar os famintos e sedentos, visitar os enfermos e prisioneiros, vestir os nus e acolher os estrangeiros. Naquele tempo, hospitium incluía tanto o lugar onde se dava a hospitalidade como a relação que ali se estabelecia. Essa ênfase é central para a medicina paliativa até hoje. Mais tarde, a Igreja assumiu o cuidado dos pobres e doentes, fato que continuou na Idade Média. Na Grã-Bretanha isso foi interrompido abruptamente com a dissolução dos mosteiros no século XVI.

O primeiro hospice fundado especificamente para os moribundos foi provavelmente o de Lyon, em 1842. Depois de visitar pacientes com câncer que morriam em suas casas, Madame Jeanne Garnier abriu o que ela chamou um hospice e um Calvário. Na Grã-Bretanha, o renascimento ocorreu em 1905, com o St. Joseph Hospice em Hackney, fundado pelas Irmãs Irlandesas da Caridade. Sua fundadora, Madre Mary Akenhead, era contemporânea de Florence Nightingale, que fundou em Dublin, em 1846, uma casa para alojar pacientes em fase terminal (Our Lady’s Hospice) e chamou-a de hospice, por analogia às hospedarias para o descanso dos viajantes, na Idade Média. Neste mesmo período foram abertos em Londres outros hospices, entre eles o St. Columba (1885) e o St. Lukes (1893), o único fundado por um médico, o Dr. Howard Barret, para acolher pobres moribundos.

Em 1967 surge na Inglaterra o St. Christopher Hospice e a pessoa extraordinária e carismática de Cicely Saunders, uma assistente social que cuidava das necessidades dos pacientes em fase final no hospital St. Thomas, em Londres.” (Pessini, 2001:204)

Em concordância com diversos pesquisadores (Walter, 1996, 1997; Clark e Seymour, 1999; Castra, 2003, entre outros), postulo que o surgimento do novo modelo de assistência em Cuidados Paliativos é uma produção coletiva fortemente vinculada às condições históricas, institucionais e ideológicas nas quais este tipo de prática é construído. Assim, os Cuidados Paliativos ou Projeto Hospice (designação inicial) surgiram tanto como resultante de transformações sociais mais amplas das relações coletivas com a morte e o morrer, como em decorrência de transformações internas no meio médico.

No campo das ciências sociais, a morte passa a ser tema de estudos de maior relevância a partir dos anos 1960, quando diversos pesquisadores perceberam uma mudança significativa nas práticas e representações relativas ao processo do morrer durante o século XX, mais especialmente a partir da Segunda Grande Guerra. Com a constatação dessas transformações sociais, a morte tornou-se um campo privilegiado de observação e análise da fragilização dos vínculos sociais, da crescente institucionalização e rotinização dos cuidados aos doentes e do processo de ocultamento e exclusão social dos que estavam morrendo. A observação desse processo por diversos pensadores sociais conduziu à emergência de uma produção analítica e crítica sobre este modelo de morte – administrado pelo aparato médico – que passou a ser nomeado por Ariès (2003:85) de “morte moderna”.

Em sua abordagem histórica, Ariès parte do princípio de que ocorreu uma degradação progressiva da relação com a morte estabelecida pelos indivíduos e sociedades. Sua visão é particularmente crítica sobre o período “moderno”, que afastou a morte do cotidiano, transformando-a em tabu e privando o homem de sua própria morte.

Outros autores empreenderam pesquisas históricas sobre a morte e o morrer, como Foucault (1994; 1999), que enfocou a passagem do monopólio dos cuidados ao doente – e ao moribundo – da família e dos religiosos para o médico e suas instituições. Até o século XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aos pobres, administrada por religiosos, nada havendo que se parecesse com uma medicina hospitalar. Era uma instituição de assistência, separação e exclusão – não do doente a ser curado, mas do pobre destinado a morrer: era um “morredouro”. O objetivo de quem trabalhava no hospital não era fundamentalmente realizar a cura, mas alcançar a própria salvação. Tratava-se de pessoal caritativo religioso ou leigo, fazendo obra de caridade tendo em vista salvação eterna. (Foucault, 1999: 102). A introdução de mecanismos disciplinares no espaço confuso do hospital possibilitou sua medicalização e, assim, o hospital como instrumento terapêutico surge no final do século XVIII, concomitantemente à transformação no conhecimento que instituiu a racionalidade anátomo-clínica como fundamento da medicina.

A partir da consolidação da instituição hospitalar – medicamente administrada e controlada – iniciou-se um processo de medicalização do social durante o século XIX, extensamente desenvolvido no século XX. Como conseqüência, o último século assistiu a uma administração da morte na qual a medicina, com seus progressos técnicos, passou a ser responsável pela diminuição de algumas taxas de mortalidade – em especial a infantil e neo-natal – e pelo prolongamento da vida. Ao mesmo tempo, a medicina, com suas medidas de prevenção e de controle social da saúde e da doença, desempenha um papel fundamental no afastamento da idéia de morte e no processo de ocultamento do processo do morrer. Para Elias (2001:74), em tempo algum na história da humanidade, morreu-se tão silenciosa e higienicamente como nos hospitais modernos dos últimos cem anos.

A partir dos anos 1960, diversos autores dedicam-se a investigar o modelo de “morte moderna” (Glaser e Strauss, 1965, 1968; Sudnow, 1967; Kübler-Ross, 1969; Elias, 2001 foram os pioneiros, além de Ariès), denunciando uma administração do processo do morrer racionalizada, “desumana”, controlada e escondida pela equipe médica. Ao mesmo tempo, o emprego de tecnologia médica para a manutenção da vida (especialmente com a utilização do respirador artificial) conduz a profundas alterações no processo do morrer e no próprio conceito de morte. Deste modo, tornou-se necessária uma redefinição da morte, bem como dos princípios éticos que regem a ação dos médicos (Herzlich, 1993:26). Face às possibilidades de reanimação, de alimentação e respiração artificiais, as fronteiras da morte e do morrer são alteradas, colocando em questão o alcance do poder do médico, o limite de suas possibilidades técnicas, como também o caráter exclusivo de sua decisão (Menezes, 2004:36).

A partir das críticas aos excessos de poder da instituição médica, na qual é desenvolvida uma prática eminentemente racionalizada, produtora de uma “super medicalização” do final da vida do doente terminal, surgem movimentos pelos direitos dos doentes nos Estados Unidos, na década de 1970. As reivindicações abrangeram desde o direito a “morrer com dignidade” até a regulamentação da eutanásia. Por fim, houve a emergência de um discurso propondo uma nova prática em relação à morte em decorrência de doença crônica terminal, na qual a relação de poder entre indivíduo enfermo (e sua família) e a equipe profissional seria transformada.

Em 1967, é fundado em Londres o St. Christopher Hospice por Cicely Saunders, instituição exemplar do novo modelo de assistência aos doentes terminais: os Cuidados Paliativos. Cerca de quinze anos após, com a epidemia de AIDS, além dos desenvolvimentos técnicos no combate a doenças degenerativas (como o câncer), as dores e sintomas destas patologias, outros hospices e serviços de atendimento domiciliar foram fundados.

A proposta dos Cuidados Paliativos consiste em minorar o máximo possível a dor e demais sintomas dos doentes e, simultaneamente possibilitar a maior autonomia e independência dos mesmos. O ideal é que o indivíduo enfermo tenha controle do processo de morte, realizando escolhas a partir das informações sobre as técnicas médicas e espirituais que considerar adequadas. A palavra de ordem é a comunicação franca entre profissionais de saúde e pacientes: o tratamento deve ser discutido entre todos os envolvidos. O ideário dos Cuidados Paliativos valoriza a expressão dos desejos dos doentes e de seus familiares, e veicula a idéia de que o acompanhamento de uma pessoa em processo de morte propicia um desenvolvimento pessoal. Assim, justifica-se o envolvimento dos profissionais e familiares nos cuidados. O último período de vida deve ser assistido por uma equipe interdisciplinar voltada à “totalidade bio-psico-social-espiritual” do doente e de seus familiares e oferece uma oportunidade especial de crescimento individual para os cuidadores.

A partir da década de 1970, serviços de Cuidados Paliativos são implantados em diversos países, como Canadá, França, Argentina, Itália, Austrália, Brasil, entre outros. Um modelo da “boa morte” é amplamente difundido e debatido – tanto no meio médico como pela mídia, e emerge uma nova disciplina, a Medicina Paliativa, especialidade atualmente reconhecida em alguns países.

Definição da OMS

A OMS em 2000 definiu os Cuidados Paliativos como “Assistência promovida por uma equipe multidisciplinar ativa e integral a pacientes cuja doença não responde ao tratamento curativo, sendo o principal objetivo a garantia da melhor qualidade de vida, tanto para o paciente quanto para familiares, mediante o controle da dor e demais sintomas, em suas dimensões psicossociais e espirituais.

http://www.ucs.br/ucs/centro/cecs/ligas/paliativos/cuidados