ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Aspectos da Propedêutica do Idoso



INTRODUÇÃO

O atendimento ao indivíduo idoso apresenta características muito peculiares que, se não bem conhecidas e respeitadas, podem diminuir bastante a quantidade de informações obtidas do paciente. É essencial que se tenha consciência de quais enfermidades têm maior prevalência na idade avançada e principalmente da concomitância entre elas, sejam doenças crônicas adquiridas na juventude, sejam problemas recém-surgidos.

Ao atender o paciente idoso deve-se ter em mente alguns princípios básicos e essenciais;

a) o envelhecimento é um processo biológico diferente de qualquer doença. Confundi-los é um erro conceitual grave, que contribui para o conceito popular errôneo, mas infelizmente, muito difundido de que todo velho é necessariamente doente. Todos os esforços devem ser empregados no sentido de diferenciar o que se deve atribuir a uma doença específica e o que é conseqüência normal da idade. A grande dificuldade reside no fato de que freqüentemente esta distinção é muito complicada para ser feita e acaba exigindo um bom grau de minuciosidade na anamnese e no exame físico ou mesmo confirmação laboratorial;

b) o envelhecimento exerce efeito importante sobre os mecanismos fisiológicos, como será oportunamente visto nos demais capítulos, de forma que o comportamento orgânico e as manifestações clínicas podem ser muito diferentes do que se espera habitualmente para um adulto jovem. As doenças podem se apresentar de forma diferente e, freqüentemente, bem mais complicada;

c) o célebre conceito de que todo quadro clínico do doente tem explicação por uma única afecção ou no máximo por um número restrito delas deve ser visto com prudência no idoso; ao contrário, deve-se admitir a possibilidade diagnósticos múltiplos com mais facilidade neste grupo etário, que caracteristicamente apresenta com freqüência vários diagnósticos associados, cujas sintomatologias simultâneas podem confundir o examinador;

d) queixas numerosas e mal caracterizadas são um fenômeno muito freqüente nestes indivíduos e a sua aparente falta de significado pode ser totalmente falsa. Ao contrário do treinamento acadêmico que mostra a doença através de exemplos com quadros clínicos floridos, dificilmente o idoso surge com uma apresentação clássica. Deixar de levar em consideração qualquer queixa por ser vaga ou incaracterística pode induzir o examinador a erros graves e de conseqüências sérias, especialmente porque o idoso tem importante redução de suas reservas funcionais e por ter resposta muito ruim a uma medida terapêutica pelo simples fato de ter sido introduzido com atraso;

e) a farmacologia das drogas, que será abordada em detalhes no capítulo específico, pode estar muito modificada no organismo envelhecido, o que torna obrigatório cuidado muito grande na escolha de medicamentos a serem administrados e na titulação da dose ideal.

Conhecer e respeitar esses princípios torna muito mais eficiente a propedêutica deste indivíduos, embora ela esteja também sujeita a limitação pela pouca capacidade freqüente de comunicação que os doentes dessa faixa etária apresentam, determinada por distúrbios auditivos, dificuldades da fala, alterações mentais etc. As queixas numerosas, advindas de diversos aparelhos, mesclam eventos que são conseqüência normal da idade, como por exemplo, presbiopia ou presbiacusia, com enfermidades reais, podendo tornar impossível a determinação da origem de cada uma delas, o que pode acarretar ainda maior complexidade no trabalho do examinador.

Técnica de Análise

Para contornar as dificuldades antes expostas deve-se adotar algumas atitudes: falar devagar, olhando para o paciente de forma que a expressão do rosto e a leitura labial auxiliem a compreensão, principalmente nos deficientes auditivos; deve-se pronunciar bem as palavras e estar atento para ruídos ambientais que interfiram na conversa; não se deve ter escrúpulos em gesticular ou perguntar se o tom de voz é suficientemente alto, já que por duas vezes o idoso portador de surdez sente um certo constrangimento de confessar sua dificuldade para compreender o que lhe é dito. Freqüentemente, o próprio paciente não consegue fornecer dados necessários, situação em que se deve recorrer a uma terceira pessoa, de preferência alguém que habitualmente permanece mais tempo com o examinado.

A divisão formal da história clínica em queixa e duração, história da moléstia atual e a seguir o interrogatório sobre os diversos aparelhos nem sempre é a forma mais prática de abordar o geronte. Muitas vezes, é mais produtivo começar diretamente pelo último para que se consiga obter as informações de forma mais ordenada e completa. Não é raro, também, que a queixa principal do paciente não esteja relacionada ao problema e mereça abordagem prioritária. Não se pode tampouco omitir a história medicamentosa pregressa, útil como forma de concluir a respeito de afecções anteriores ou pela própria responsável por uma boa parte das queixas. Deve-se ter em mente, também, que certos medicamentos são por vezes desconsiderados como tal por idosos e seus familiares, fazendo com que os itens importantes não sejam relatados.

SINTOMAS

Dar-se-á ênfase aqui apenas àqueles sintomas que adquirem um significado particular com o passar dos anos ou que se tornam muito mais freqüentes nesta fase da vida.

FADIGA

A fadiga é uma queixa extremamente comum no idoso. Caracteriza-se por incapacidade de mobilizar energia necessária para as atividades habituais, associada à necessidade de descansar ou dormir. Ela pode, até certo ponto, ser considerada como ocorrência normal do envelhecimento, porém deve-se estar atento porque pode ser muito sutil o momento em que passa a ser indicativa de uma doença orgânica ou psíquica. Deve-se suspeitar da segunda situação quando a fadiga não se relaciona a atividade física ou quando o indivíduo já acorda cansado, indisposto, deprimido e chega até a melhorar durante o dia.

Quando tem significado patológico, a fadiga pode estar vinculada a diferentes estados clínicos, como infecções agudas ou insidiosas, carências nutricionais, que podem evoluir para quadros de desnutrição de intensidade e manifestações variadas, presença de neoplasias, descompensação de doenças cardíacas artropatias. Nesta última situação, a principal queixa pode ser a fadiga, como sensação subjetiva conseqüente à dificuldade de mobilizar as articulações atingidas (eventualmente esta sensação pode sobrepujar a dor, que o paciente por vezes pode não referir). Este sintoma pode surgir também na insuficiência respiratória; nas enfermidades neuromusculares, como, por exemplo, miopatias e miastenia; nos desequilíbrios hidreletrolíticos, como desidratação, alterações iônicas diversas, alcalose ou acidose; na insuficiência renal; em doenças endocrinológicas, como diabetes mellitus, hipotiroidismo, insuficiência supra-renal etc. Não se pode esquecer as razões de ordem psicológica, em particular os quadros depressivos, orgânicos ou reacionais, aos quais o idoso é particularmente sujeito, como poderá ser visto com maiores detalhes no capítulo correspondente.

PERDA DE PESO

A perda de peso exige avaliação criteriosa. Sabe-se que, em decorrência do envelhecimento, ocorrem alterações na proporção entre o tecido gorduroso e o tecido muscular no organismo, além da redução da massa óssea. Entre os 25 e os 50 anos, a curva ponderal humana costuma apresentar acréscimo de peso, atribuído ao aumento do tecido gorduroso que ocorre nessa fase. A partir daí, o peso corpóreo tende a se reduzir, devido à diminuição de peso das estruturas ósseas, aliada a uma atrofia global da musculatura esquelética. Sendo assim, só se valoriza a perda de peso quando é acentuada e principalmente quando há grandes perdas em curto espaço de tempo. Tal situação sugere a presença de enfermidade específica, como, por exemplo, neoplasia, quadro infeccioso grave, descompensação diabética, hipertireoidismo etc.

CEFALÉIA

A cefaléia é também uma queixa freqüente, cujas causas no idoso pertencem a um espectro particular de afecções. A localização da dor pode ser uma boa indicação de sua etiologia: em região occipital, é bastante sugestiva de contratura muscular, provocada por vícios posturais, que levam a estiramento muscular e ligamentar, ou por espondilartrose cervical.

Embora se trate de uma doença in freqüente, vale a pena citar a cefaléia temporal persistente que ocorre na artrite de células gigantes, pelo fato de ser uma afecção característica do idoso. Por outro lado, a enxaqueca e a cefaléia relacionada às sinusopatias, bastante comuns em pessoas jovens, decaem bastante de freqüência no geronte.

DISTÚRBIOS DO SONO

Os distúrbios do sono constituem problemas que perturbam bastante os pacientes deste grupo etário e que devem ser abordados com atenção.

Sabe-se que a necessidade de sono é variável de pessoa para pessoa e que há um padrão geral de sono que evolui ao longo da vida. Há uma grande desorganização na infância, com períodos curtos e às variáveis de sono e vigília que evoluem para um padrão com ciclos aproximados de 24 horas, alternando uma única fase de vigília com outra de sono. O envelhecimento torna esse padrão um pouco menos organizado, sem chegar, porém, a retornar à situação da infância. Na velhice, o período noturno de sono tende a sofrer um encurtamento, enquanto surgem períodos de sonolência durante o dia. Ao lado dessa alteração da fisiologia do sono, há fatores orgânicos e sociais interferindo. A quantidade e a intensidade das atividades tende a se reduzir muito nessa época da vida, favorecendo a sonolência diurna. Este fato pode chegar ao ponto extremo e comum de indivíduos que vão se deitar muito cedo por absoluta falta de ocupação e que acabam por acordar muito mais cedo, pela manhã, do que gostariam.

Problema psíquicos mais específicos, como a depressão, à qual os idosos estão muito sujeitos, e a ansiedade, para a qual a situação econômica e social do velho costuma fornecer numerosos motivos, são, em qualquer idade, reconhecidas causas de distúrbios do sono.

Por fim, não se pode esquecer de causas prosaicas, mas nem por isso pouco importantes, que levam à repetição do despertar noturno, como falta de ar, dor, doenças de outros órgãos que fazem a pessoa acordar várias vezes à noite para urinar etc.

Por incrível que pareça, a noção de que o doente desperta várias vezes à noite porque tem que ir ao banheiro pode não ser percebida por ele nem pelo seu médico, o que pode induzir condutas terapêuticas inadequadas.

A conduta do médico diante do idoso com insônia deve ser muito cuidadosa, tentando esclarecer as causas, e criteriosa, ao indicar o uso de hipnóticos. A manipulação destes, como será visto em outro capítulo com mais detalhes, é complicada devido à maior duração de seu efeito ou, de forma ainda mais difícil, pela possibilidade de terem efeito paradoxal, podendo chegar, em situações extremas, a desencadear quadros de agitação psicomotora e confusão mental. Não é raro resolver uma queixa de sonolência excessiva durante o dia pela simples suspensão de um medicamento depressor do sistema nervoso central.

ALTERAÇÕES PSÍQUICAS

As alterações da memória e os quadros de confusão mental serão examinados com detalhes em capítulos específicos, porém serão citados neste momento pela importância que adquirem na população deste grupo etário.

Já está bem definido um declínio de funções mentais acompanhando o envelhecimento normal. A capacidade de aprendizado reduz e a memória para fatos recentes apresenta diminuição sensível, ao passo que para fatos remotos é preservada ou mesmo chega a parecer mais viva. Informações abstratas são prejudicadas mais precocemente que as concretas. Estes fenômenos são considerados normais.

Os distúrbios graves, já caracterizando quadro demencial, são de fácil reconhecimento até pelos próprios familiares do idoso. A grande dificuldade diagnóstica reside em casos de comportamento limiar, não sendo raro que o médico fique com sérias dúvidas e se sinta incapaz de definir se o cliente examinado apresenta ou não alterações patológicas.

O desempenho intelectual do idoso pode ser avaliado de várias maneiras. A mais simples delas, ao alcance de profissionais sem muito treinamento específico, é uma entrevista um pouco mais demorada, na qual se fazem perguntas ao paciente sobre a sua rotina, incluindo-se eventualmente eventos de caráter público mais amplo, tentando obter uma opinião pessoal do doente a respeito para que se possa avaliar sua capacidade crítica. A conclusão final desta forma de abordagem apresenta apenas o grave defeito de ser bastante subjetiva e difícil de ser transmitida a familiares ou outros profissionais que lidam com o paciente em questão.

Há vários testes formais que examinam aspectos específicos das funções mentais e que atribuem notas ou pontuações ao examinado. Estes apresentam várias vantagens: são mais precisos, permitem uma noção evolutiva mais confiável e fornecem uma avaliação bem mais clara ao se transmitir seu resultado a outro profissional, familiares ou mesmo em uma situação legal. É essencial que o examinador leve em consideração nesse tipo de avaliação a presença de outros problemas orgânicos que possam prejudicar o desempenho intelectual ou a própria entrevista; um exemplo é o portador de surdez, que pode estar privado de acesso a informações do ambiente ou ter muito pouca habilidade ao ser entrevistado, sem que isto signifique declínio do estado mental.

Confusão mental é a perda da capacidade de orientação no tempo e no espaço, que pode ser aguda ou crônica. A confusão mental aguda e temporária, também chamada síndrome mental aguda ou síndrome cerebral aguda, é a interrupção abrupta da lucidez de um doente que tinha condições normais ou praticamente normais. Deve ser encarada, pelo menos na primeira abordagem, como um sintoma de doença orgânica, como processo infeccioso, quadro de hipoxemia, distúrbio metabólico etc. Quadros relativamente simples ou mesmo iatrogenia por erro na manipulação de medicação podem provocar esta sintomatologia.

O estado confusional crônico consiste em um quadro de insuficiência cerebral crônica, evolutiva e irreversível causada pelas demências, como a demência senil tipo Alzheimer, demência por infartos múltiplos ou por outros distúrbios psiquiátricos, como ansiedade ou depressão.

TONTURA

Tontura e sensação vertiginosa são problemas comuns no atendimento ao idoso, assim como a dificuldade para caracterizá-las e estabelecer sua etiologia. A vertigem está habitualmente relacionada a alterações funcionais e/ou lesão de estruturas vestibulares. Pode ser idiopática ou relacionada a problemas circulatórios, neoplásicos, degenerativos etc.

SÍNCOPE

Síncope consiste na perda súbita e transitória de consciência por falta de irrigação cerebral que, no indivíduo idoso, torna obrigatória a investigação de arritmias cardíacas, como a síndrome de Stokes-Adams, a presença de hipotensão ortostática e os distúrbios locais dos vasos, por serem as causas mais prováveis neste grupo.

QUEDAS

As quedas são também motivo de grave preocupação para quem lida com idosos.

A manutenção de uma postura ereta está vinculada à atuação harmoniosa de um complexo de fatores: ação muscular antigravitacional, propriocepção, informações visuais e do sistema vestibular, e a integração de todos eles no sistema nervoso central. O processo de envelhecimento compromete todos os componentes deste sistema de forma variável, de indivíduo para indivíduo. Sendo o corpo humano um sólido de grande massa, com centro de gravidade alto e base estreita, fica claro que há vários predisponentes presentes para levar o idoso a ter quedas freqüentes, em maior número quanto mais comprometido estiver o sistema globalmente.

Há, nos idosos, dificuldade para fazer os movimentos de balanço necessários para se reequilibrar. Na presença deste predisponentes, vários desencadeantes podem vir a se somar para induzir o idoso a quedas. Entre as causas orgânicas pode-se citar os quadros de acidente vascular cerebral, a insuficiência vertebrobasilar, as arritmias cardíacas seguidas de hipofluxo, a hipotensão postural, a síndrome do seqüestro da subclávia, a epilepsia e os efeitos colaterais de medicamentos.

Causas ambientais, como má iluminação, pequenos degraus em locais inesperados, pequenos tapetes soltos no piso escorregadio junto as camas, pias e banheiras, calçados inadequados, com solas escorregadias e pouco firmes nos pés, escadas sem corrimão etc., podem constituir verdadeiras armadilhas para o idoso já menos habilitado organicamente para se manter equilibrado.

ALTERAÇÕES AUDITIVAS

O zumbido, ou seja, a audição constante ou intermitente de um ruído que na realidade não existe é outro evento freqüente. Pode ser desencadeado por problemas locais do ouvido, até por uma simples rolha de cerúmen, ou por alterações sistêmicas, podendo até ser parte do quadro de uma descompensação diabética.

A surdez, também muito comum, pode se tornar extremamente incapacitante quando evolui para graus mais avançados, ajudando a isolar do ambiente o doente que já tem várias limitações físicas. Deve ser lembrada a presbiacusia, que é a surdez que pode acompanhar o envelhecimento, mesmo sem a presença de afecções otorrinolaringológicas específicas, mas simplesmente como somatório de alterações degenerativas de todo o aparelho auditivo humano.

DISPNÉIA

A dispnéia é outra queixa que exige do examinador conhecimento e cuidado em sua abordagem para saber diferenciar se se trata de uma resposta normal, proporcional à idade, ou de um processo patológico. Há declínio da função pulmonar, assim como da cardíaca e muscular que acompanham o envelhecimento e que são responsáveis por redução de capacidades de reserva. A conseqüência é o aparecimento de dispnéia, sem que haja qualquer doença, diante de esforços que não a provocariam em um adulto jovem. Não se deve, porém, cometer o erro oposto, que seria menosprezar um sintoma que pode sinalizar para a presença de uma doença pulmonar, como infecção, tumor, quadro enfisematoso, cardiopatia, levando a uma insuficiência do órgão, e alteração mecânica da caixa torácica devido a uma doença sistêmica como, por exemplo, anemia e obesidade.

ALTERAÇÕES URINÁRIAS

Outra categoria de sintomas muito referida nesta idade são as queixas urinárias: retenção, urgência miccional e, em particular, incontinência urinária. Esta última é, por vezes, considerada de forma errônea como um fenômeno normal do envelhecimento. Sua prevalência é alta nesta idade, em especial nos pacientes acamados ou institucionalizados. Apesar do forte impacto desta ocorrência sobre o bem-estar do paciente, o alto custo do cuidado diário a um doente incontinente, o grau de transtorno que causa a quem cuida dele e a má repercussão social e psicológica deste tipo de problema, ele é ainda pouco investigado e, conseqüentemente, tratado de forma inadequada.

O controle da micção é complexo e depende de estruturas localizadas em vários níveis, que vão do esfíncter uretral, passando pelo assoalho pélvico, bexiga, nervos sacrais e medula espinal até níveis neurológicos mais altos, com a interferência de várias estruturas, inclusive corticais. As estruturas alteradas podem ser única ou várias em um mesmo paciente. Uma ampla variedade de enfermidades pode provocar incontinência urinária, sendo exemplos comuns o diabetes mellitus, o afrouxamento do assoalho pélvico ou a hipertrofia prostática, havendo ainda muito a pesquisar a respeito, mesmo em relação a doenças já bem conhecidas.

A intervenção médica eficiente pode ser feita através de várias abordagens terapêuticas, mas depende necessariamente de diagnóstico preciso. Há afecções do trato urinário baixo que são características da terceira idade. Assim, a litíase vesical aumenta a incidência a partir dos 50 anos, ocorrendo o mesmo com a hipertrofia benigna da próstata, que é também doença característica do idoso. Suas manifestações podem ser dependentes de irritação local, com desconforto urinário, sintomas de obstrução, especialmente no prostatismo, situação em que a obstrução pode levar a incontinência paradoxal. Outra manifestação freqüente nessa faixa etária é a infecção urinária baixa, não raramente desencadeada pelas duas outras enfermidades.

Em capítulo pertinente, esse assunto será abordado de forma mais completa e detalhada.

ALTERAÇÕES DIGESTIVAS

O aparelho digestivo humano sofre alterações variadas e algumas delas intensas com o passar dos anos, como será analisado de forma mais detalhada em capítulos pertinentes.

A queixa digestiva mais comum do doente idoso que procura atendimento ambulatorial é a prisão de ventre ou obstipação intestinal. Ela é determinada, como quase todos os problemas da idade avançada, por vários fatores associados: diminuição do tônus da musculatura da parede abdominal; aproximação do gradeado costal das cristas ilíacas, o que acentua a fraqueza dos músculos anteriores do abdômem; redução da atividade física, como a deambulação; redução da quantidade de líquidos ingeridos, devido à menor sensação de sede; modificação da dieta por problemas odontológicos ou doenças digestivas, que acabam por determinar consumo muito reduzido de fibras alimentares e uso de medicamentos que inibem a motricidade do tubo digestivo. Secundariamente à obstipação, o médico que atende um doente velho pode se deparar com um problema bastante comum, que é o uso abrasivo de laxantes, especialmente os chamados de "contato", que aumenta a mobilidade intestinal à custa de evitar a parede do tubo digestivo e que, a longo prazo, acabam por tornar ainda menos eficientes os movimentos peristálticos. Deve ser assinalado também que a doença diverticular dos cólons, as hemorróidas e até mesmo o câncer de cólon têm sido associados à obstipação intestinal.

A intervenção do médico deve assumir contornos educativos e de orientação. O idoso deve ser convencido de que é normal que haja uma certa redução da velocidade do funcionamento de seu intestino e principalmente que a maioria das obstipações é perfeitamente solúvel com uma simples correção dietética.

QUEIXAS OESTEOARTICULARES

As queixas osteoarticulares são extremamente freqüentes entre pacientes de idade avançada avançada e, dado o seu comportamento habitual de serem pouco características, freqüentemente acabam sendo esquecidas num contexto clínico em que, não raro, vários problemas têm que ser investigados, ficando o médico muitas vezes preocupado com o possível diagnóstico de uma neoplasia ou outra doença potencialmente grave que polariza sua atenção. Por outro lado, o idoso e sua família consideram normal o aparecimento de dores ou limitação à movimentação osteoarticular e, por vezes, nem sequer relatam o problema, a não ser que o médico pergunte especificamente.

Na presença da queixa, é importante tentar caracterizá-la da melhor maneira possível, por mais difícil que isso possa ser, já que a variedade de doenças desse aparelho é razoavelmente grande, e a conduta, seja para esclarecimento laboratorial, seja para tratamento, pode também variar bastante.

Fenômenos como localização da dor, ocorrência de artrite, freqüência e intensidade dos sintomas, concomitância de fraqueza, rigidez matinal e alterações da sensibilidade local podem auxiliar bastante na melhor definição do quadro. É preciso muito cuidado para não confundir a sintomatologia das alterações osteoarticulares com doenças neurológicas, que também podem se manifestar nas extremidades.

EXAME FÍSICO

O exame físico do paciente idoso apresenta particularidades únicas, exigindo do médico não só abordagem adequada, mas também razoável soma de conhecimentos a respeito da fisiologia do envelhecimento e do efeito dos anos sobre as doenças. De forma similar à anamnese, é necessário dar atenção aos detalhes e ter em mente mesmo diagnósticos diferenciais que pareçam inicialmente menos prováveis, já que quanto mais avançada a idade, mais confusos e atípicos são os quadros clínicos das doenças.

Muitas vezes, o idoso terá dificuldade para assumir a posição necessária para ser examinado ou até mesmo para subir na mesa de exame. É importante ter o cuidado de manter os acessos aos locais de exame livres e suficientemente largos para não atrapalhar um doente de bengala ou andador. É também interessante que haja locais de apoio, como, por exemplo, cadeiras com braços, que facilitem os movimentos do enfermo dentro do consultório.

No momento em que o doente entra na sala onde será entrevistado, deve começar a ser observado quanto à deambulação, dificuldades para despir-se e vestir-se, acomodar-se na mesa de exames. Ao deitar-se, o paciente deve ter o seu tronco pelo menos um pouco erguido, já que enfermidades que induzem dispnéia de decúbito são freqüentes. Também é importante providenciar um pequeno travesseiro para apoio da cabeça, pois não raro o idoso é portador de artrose cervical avançada com bom grau de rigidez, não conseguindo apoiá-la no mesmo plano do dorso.

PESO E ALTURA

Quando se determinam peso e altura de um doente idoso, é importante saber que a altura provavelmente é menor do que a que ele alcançou no final de sua fase de crescimento. A sua coluna vertebral sofre encurtamento por redução da altura das vértebras e dos discos intervertebrais e também aumento de todas as suas curvaturas, que se refletem sobre a altura do indivíduo, reduzindo-a. Esses fenômenos podem estar acentuados na presença de doenças, como por exemplo, osteoporose, com desabamentos flagrantes das vértebras ou processos degenerativos, com aumento marcado das curvaturas fisiológicas, havendo casos em que as últimas costelas praticamente tocam as cristas ilíacas.

A altura do idoso é uma medida que não deve ser negligenciada ou feita apenas uma vez, mas periodicamente repetida. Para contornar distorções na medida da altura, que prejudicam a noção de adequação do peso, tem sido proposta a medida da envergadura como mais fidedigna.

O peso corporal modifica-se ao longo dos anos como resultado de modificações às vezes opostas do peso dos diversos tecidos. Como já assinalado, reduz-se o peso dos músculos e ossos, aumenta a proporção de tecido adiposo, que sofre também uma redistribuição, passando a ser mais abundante na região abdominal.

Há um aumento ponderal até próximo dos 50 anos, para as mulheres, e 60 anos, para os homens, seguido de lento e gradual decréscimo.

SINAIS VITAIS

Os sinais vitais também merecem atenção especial. A temperatura varia dentro da mesma faixa de normalidade do jovem, mas é importante saber que processos que em outra idade cursariam com aumento de temperatura podem não se comportar dessa maneira no idoso. De forma mais ou menos lógica, as hipotermias são mais freqüentes e continuam sendo situações de alto risco, se não até mais graves.

A freqüência cardíaca sofre um decréscimo sem fugir da faixa de normalidade, mas, de forma similar à temperatura, pode não ser detectada taquicardia em uma situação clínica na qual esta seria esperável, inclusive como mecanismo compensatório diante de uma mudança rápida de postura.

A pressão arterial deve ser tomada com cuidado e tendo em mente as diversas peculiaridades de seu comportamento no geronte. Este assunto é bastante importante e será detalhadamente discutido em capítulo pertinente, porém vale a pena frisar alguns aspectos: 1) há uma desproporção entre os níveis pressóricos sistólico e diastólico, que podem gerar sérias dúvidas e problemas na definição terapêutica; 2) a presença de hipotensão postural é freqüente, podendo influenciar de forma importante as condutas terapêuticas; 3) a presença do fenômeno do "buraco auscultatório" pode fazer com que uma pressão sistólica alterada passe despercebida; portanto, deve-se sempre usar a palpação do pulso distal ao manguito do aparelho para confirmar a pressão auscultada; 4) o enrijecimento das paredes arteriais pode causar a chamada "pseudo-hipertensão", com risco de que o paciente seja submetido a tratamento desnecessário; 5) fenômenos vasculares obstrutivos adquiridos são freqüentes nesta fase da vida; portanto, os níveis pressóricos dos dois membros superiores devem ser comparados.

Vale a pena assinalar mais uma vez o quanto é freqüente receber um paciente idoso em uso de vários medicamentos e que estes podem alterar os sinais vitais, como, por exemplos, os antitérmicos (queda da temperatura), os beta-bloqueadores (redução da freqüência cardíaca) ou anti-hipertensivos alfa-bloqueadores (hipotensão postural).

PELE

A pele também deve merecer atenção. O seu descoramento como sinal clínico de anemia pode ser difícil de avaliar, sendo as mucosas capazes de fornecer impressão fidedigna. A pele senil mostra efeitos combinados de ação ambiental, especialmente da radiação solar, e da ação do tempo de intensidade variável. Portadores de pele clara costumam ser mais afetados pelos dois fatores.

Podem ocorrer várias alterações quanto à textura, elasticidade, espessura, resistência a atrito, pigmentação, secreção sebácea, conteúdo hídrico, presença de nervos, entre outras. Deve ser lembrada a atenção que deve ser dada a lesões suspeitas quanto ao seu caráter neoplásico. Em áreas expostas ao sol é freqüente que o idoso apresente tumores, como os carcinomas basocelular e espinocelular, de baixo grau de malignidade. Os melanomas, mais raros, não têm a mesma predileção por áreas castigadas pela radiação solar.

Durante o exame da pele pode-se avaliar o grau de higiene do paciente e, quando se trata de indivíduo dependente, da qualidade dos cuidados que recebe. Sinais de coçadura, antes de serem atribuídos a prurido senil, sugerem exame mais cuidadoso, tendo em mente, inclusive, o diagnóstico de escabiose. Em caso de pacientes acamados ou com qualquer grau de imobilidade deve-se inspecionar as eminências ósseas em busca de escaras de decúbito ou lesões por pressão que as antecedem. Pregas na pele devem ser revistas em busca de monilíase, freqüente em pele úmida e macerada. Quando o paciente é incontinente, a monília pode se assestar sobre uma área de dermatite amoniacal, contribuindo para agredir a pele na área perineal.

HIDRATAÇÃO

O estado de hidratação é de difícil determinação no geronte, pois o turgor da pele perde o valor devido às alterações senis desta, que fazem com que a elasticidade esteja extremamente reduzida; a língua e a mucosa oral estão habitualmente menos úmidas por diminuição natural da secreção salivar; a mucosa conjuntival pode estar menos brilhante pela redução do número de células caliciformes, responsáveis pela integridade do filme lacrimal. No entanto, estar ciente do estado de hidratação do organismo do geronte é extremamente importante porque ele é mais sujeito ao desequilíbrio hidrossalino, com risco maior de complicações.

CABEÇA

Ao examinar boca e orofaringe, não se deve esperar achados freqüentes de hiperemia ou hipertrofia de amígdalas. É importante observar as condições dos dentes, quando presentes, e o estado das gengivas, pois alterações das arcadas dentárias são extremamente freqüentes. Em caso de uso de próteses, nunca deve ser esquecido que sob elas podem estar ocultas lesões, até mesmo de natureza neoplásica.

PESCOÇO

O exame físico do pescoço, freqüentemente negligenciado no paciente idoso, deve ser alvo de exame cuidadoso. Assim, o hábito de palpar a glândula tiróide deve ser incluído na rotina habitual de propedêutica, sempre lembrando que elas muitas vezes têm seu acesso dificultado por mudanças anatômicas, tanto fisiológicas como determinadas por doenças. Durante a inspeção pode-se notar desde aumento do volume da glândula até uma cicatriz de tiroidectomia, com as suas possíveis conseqüências sobre a função tiroideana e paratiroideana. À palpação deve-se estar atento a elasticidade e principalmente à presença de nódulos e irregularidades. A conduta médica diante de tais achados é muito discutida na literatura, sendo que as tendências atualmente predominantes são abordadas em outro capítulo.

As estruturas vasculares merecem atenção especial nessa região. Os pulsos arteriais devem ser palpados (nunca simultaneamente), auscultados e comparados em busca de sinais, como frêmitos e sopros, indicativos de doença obstrutiva de vasos locais, embora possam, ser simples irradiação de fenômenos que estejam ocorrendo na valva aórtica ou na própria aorta.

As jugulares também merecem atenção. O fenômeno de estase, quando o tronco do paciente é colocado a 45º do plano horizontal, deve ser observado da mesma forma em qualquer idade, com a ressalva de que o espectro de diagnósticos diferenciais do idoso é diverso do adulto jovem.

A presença de nódulos e enfartamentos ganglionares, únicos e múltiplos, sempre alerta para a possível ocorrência de neoplasias em indivíduos dessa faixa etária, ainda que sejam estruturas isoladas, móveis e sem consistência endurecida. Nódulos neoplásicos de região cervical podem definir o estadiamento de um tumor já diagnosticado, mas podem constituir também um difícil problema diagnóstico, quando se confirma seu caráter maligno, sem que se possa definir qual foi o tumor primário que sofreu disseminação para esse local.

TÓRAX

A caixa torácica do idoso torna-se mais fixa, com menor capacidade de expandir-se e de diminuir de volume, o que reduz sua função de "fole", interferindo com a fisiologia pulmonar e alterando a pressão intratorácica. As clavículas se deslocam na direção cefálica, dificultando o acesso a estruturas do pescoço como a tiróide. A fúrcula situa-se mais adiante da aorta. À inspeção do tórax nota-se aumento da cifose torácica e alargamento do diâmetro ântero-posterior. Modificações assimétricas sugerem processos patológicos.

APARELHO CARDIOCIRCULATÓRIO

A propedêutica cardiocirculatória do idoso, que merecerá maior atenção em outro capítulo, também poderá ser motivo de diversas dúvidas. As modificações da dinâmica da caixa torácica e de sua morfologia levam a uma interposição pulmonar entre o coração e ela, alterando o padrão de normalidade.

À inspeção e à palpação, os sinais cardíacos são menos evidentes, podendo-se esperar diminuição da intensidade do choque da ponta do coração. À ausculta notam-se modificações decorrentes do que já foi descrito e também alterações senis dos tecidos do coração e grandes vasos. Assim, as bulhas são freqüentemente hipofonéticas e a quarta bulha, não raramente, está presente devido à redução de complacência, porém seu significado necessariamente patológico, da mesma forma que o estalido protossistólico, que é o resultado da dilatação e da perda da elasticidade da aorta ascendente. Os sopros sistólicos são audíveis em 60% dos idosos, geralmente sem corresponder a comprometimento importante. O mais comum deles é o ejetivo, localizado em área aórtica, que pode estar relacionado a fluxo turbulento devido à dilatação e ao enrijecimento da aorta ou a espessamento e calcificação das lacínias. Nos casos em que existe real estenose, que são a minoria, há outros comemorativos como frêmito e alterações da pressão arterial e pulso. Sopro sistólico de caráter regurgitativo e localizado em área mitral pode ser causado por dilatação dos músculos papilares ou outras alterações da própria valva, em virtude do envelhecimento, não implicando obrigatoriamente em regurgitação. Por outro lado, os sopros diastólicos sempre são patológicos.

Deve-se palpar todos os pulsos periféricos com cuidado e estar atento a sinais de insuficiência arterial e venosa, não só pela sua freqüência como também pelo potencial de complicações destas. As artérias podem se apresentar enrijecidas. Grandes reduções ou ausência de pêlos podem significar presença de doença vascular.

PULMÕES

Quando se passa à propedêutica pulmonar, já se observa um quadro bem diferente. As modificações torácicas descritas podem dificultar a expressão clínica das doenças pulmonares, mas, como as pneumopatias do idoso costumam ser extensas e provocar manifestações claras, o exame físico é uma ferramenta muito útil para o examinador. É importante ressaltar que todo dado positivo na propedêutica pulmonar tem o mesmo significado que lhe é atribuído no jovem e que o envelhecimento pulmonar não origina qualquer ruído adventício.

ABDÔMEN

O abdômen do idoso pode ser extremamente fácil de ser examinado devido à natural redução da musculatura da parede. Ocorre, porém, que é grande o número de idosos obesos, situação em que a palpação abdominal se torna muito precária e o examinador é obrigado a se socorrer bastante da percussão. Na ausência de obesidade, a palpação de todas as estruturas é amplamente facilitada. Pode-se delimitar, muitas vezes, todo o trajeto colônico ou a coluna vertebral. A aorta abdominal pode estar evidente e é normal que seja de forma uniforme, um pouco mais firme em todo o seu trajeto. Deve-se estar especialmente atento para a presença de sopros no trajeto da aorta ou de suas ramificações, porque a doença ateromatosa é característica de pessoas deste grupo etário. Muito cuidado, porém, é necessário para não fazer compressão com o estetoscópio sobre o vaso examinado, causando turbilhonamento do sangue e um falso sopro. A menor resistência apresentada pela parede abdominal facilita este tipo de engano.

Durante a palpação do hipogástrio pode-se deparar com uma bexiga distendida, menos quando o doente não tem qualquer queixa urinária.

Realizar toque retal pode não ser uma tarefa fácil, em se tratando de um enfermo idoso. Por razões de ordem cultural ou moral pode-se deparar com um razoável grau de resistência por parte do paciente, que acaba sendo apoiado pelo parente que o acompanha. Cabe ao médico explicar a importância do procedimento e sua inocuidade, associada a um grau mínimo de desconforto, desde que adequadamente realizado. Através desse exame, muitas informações importantes sobre a saúde do idoso podem ser obtidas. Assim, os tumores de cólon e retossigmóide, que são mais freqüentes neste grupo etário, e que são doenças graves, por vezes ainda assintomáticas, podem estar ao alcance do dedo do examinador. No homem, por meio do toque, tem-se acesso à próstata, podendo-se avaliar aumentos de volume que podem refletir em obstrução uretral, embora o grau de aumento ao exame não seja necessariamente proporcional ao grau de obstrução, porque a porção do órgão que se apalpa é diferente daquela que ao crescer desencadeia fenômenos obstrutivos. Mais raro e mais grave é o achado de enrijecimento e irregularidades, sugestivos de neoplasia maligna. Estes tumores podem permanecer assintomáticos até que haja disseminação sistêmica. Estas e outras informações tornam indispensável a realização desta manobra, que, em troca de todos os dados que fornece, não oferece qualquer risco ao paciente.

APARELHO OSTEOARTICULAR

O aparelho osteoarticular, que freqüentemente desperta pouca atenção em uma consulta médica de caráter geral, deve ser cuidadosamente avaliado no doente idoso. Deve-se ter em mente que a inatividade e a imobilidade são os piores inimigos do geronte por acarretarem complicações por vezes graves e que é muito mais difícil de manipular e reverter quadros estabelecidos ou eventualmente avançados.

As mãos do paciente costumam ser a porção do sistema osteoarticular que primeiro despertam a atenção. A maioria esmagadora das alterações é referente a sinais de osteoartrose, com alargamento das articulações interfalageanas e dedos "em fuso". Pode-se observar desvio ulnar discreto dos dedos, de caráter reversível, por simples frouxidão ligamentar, especialmente em pessoas de idade muito avançada. Quando as alterações se estendem para as articulações metacarpo-falangeanas e punho deve-se necessariamente pensar em outras doenças reumatológicas. Não se pode esquecer que o início de um quadro de artrite reumatóide pode ser bastante tardio. A redução de partes moles em mãos e da musculatura interóssea pode ser difícil de ser valorizada, já que existe perda normal de massa muscular com o envelhecimento e mudança de localização da gordura corpórea, que passa a se concentrar na região abdominal.

Alterações do cotovelo têm o mesmo valor em qualquer fase da vida. Os ombros são sede freqüente de dores nos idosos. Sua mobilidade, presença de crepitação e pontos dolorosos merecem atenção. Dores em joelhos também são uma queixa freqüente, sendo comum a osteoartrose nessas articulações, principalmente em pessoas obesas ou previamente submetidas a meniscectomia. A presença de derrame articular em joelho não afasta a possibilidade de se tratar de uma artrite degenerativa.

A coluna vertebral deve ser avaliada com muita atenção. Sua mobilidade normalmente se reduz, o que, em região cervical, pode dificultar a pesquisa de irritação meningeana. Além da redução da mobilidade observa-se acentuação das curvaturas fisiológicas, porém, se este fenômeno for muito acentuado, deve-se pesquisar um possível encunhamento patológico de vértebras. Também indispensável é a procura de pontos dolorosos à compressão.

A evolução normal do tecido ósseo ao longo da vida leva a uma osteopenia considerada normal na idade mais avançada. Este fenômeno predispõe o idoso a fraturas mais freqüentes diante de traumas considerados menores. Por isso, a possibilidade de haver uma fratura óssea deve sempre ser considerada, mesmo diante de uma agressão que pareça muito pequena. Fraturas espontâneas são necessariamente patológicas e vinculadas a doenças características dos idosos. Dentro do panorama da abordagem propedêutica do doente idoso, o aparelho osteoarticular não foge à regra geral de manifestar seus problemas por meio de sintomas e sinais incaracterísticos, por vezes considerados como parte normal do envelhecimento pelo paciente e seus familiares. Mesmo quando a anamnese fornece poucos dados positivos, o exame físico deve necessariamente incluir avaliação osteoarticular de rotina.

SISTEMA NERVOSO

Como muitos outros aspectos da geriatria, o exame neurológico do idoso pode criar sérias dúvidas no examinador para distinguir efeito normal do envelhecimento de enfermidades supervenientes. Ao contrário da criança, para quem já se definiu um parâmetro normal de avaliação, o envelhecimento ocorre de forma heterogênea na população: o cronológico não acompanha o biológico.

Com a soma das modificações causadas pelas diversas afecções, fica-se diante de uma gama de variações muito extensa entre os achados. Tentar-se-á fazer uma descrição dos achados esperáveis, do ponto de vista neurológico.

As funções intelectuais sofrem modificações em graus variáveis, sendo difícil em certos casos definir se há ou não um processo patológico ocorrendo. A fácies se apresenta pouco expressiva, com uma pobreza de mímica e a atitude tende a uma flexão generalizada, tudo isto depende de pequenas alterações de áreas corticais e subcorticais, eventualmente com a soma de modificações osteoarticulares, podendo lembrar um quadro de parkinsonismo em fase inicial. A marcha também se altera devido a múltiplos fatores, incluindo alterações osteoarticulares, distúrbios do equilíbrio e déficits visuais. O idoso tende a afastar os pés para facilitar o equilíbrio. Os passos são mais curtos e menos seguros, as quedas ocorrem com maior facilidade. Os movimentos associados são menos amplos. Pode-se observar rigidez paratônica, que é uma hipertonia discreta de predomínio apendicular, na qual se nota uma oposição à movimentação passiva como se o doente estivesse voluntariamente contraindo a musculatura, mas sem que se observe o sinal da roda denteada. Há discreta diminuição da força muscular, especialmente em membros inferiores. Os reflexos, de modo geral, são menos vivos, sendo freqüente a abolição dos reflexos cutâneos abdominais, como conseqüência de alterações tróficas da musculatura abdominal, e do reflexo aquileu, cuja redução tem sido atribuída a alterações neurológicas periféricas. O reflexo cutâneo-plantar pode estar diminuído, provavelmente como conseqüência, ao menos em parte, de alterações locais da pele e do sistema osteomuscular. Já os reflexos axiais da face evoluem no sentido oposto, estando mais proeminentes.

Os tremores devem ser avaliados com atenção, pois são de etiologia variada com abordagem terapêutica diversa; a freqüência, ou seja, o número de movimentos por minuto é dado importante para o diagnóstico. Há redução de aproximadamente 10% da velocidade de condução de impulsos sensitivos e motores, atribuída à associação de diversos fatores, como redução segmentar da bainha mielina, fibrose, alterações degenerativas da vasa nervorum e do próprio axônio. É pouco freqüente o comprometimento da sensibilidade superficial, ao passo que a sensibilidade vibratória encontra-se diminuída ou até abolida. Quanto aos nervos cranianos observa-se uma tendência à miose papilar, lentificação dos reflexos à luz e de acomodação. A movimentação ocular extrínseca apresenta prejuízo da convergência e do olhar conjugado para cima.

CONCLUSÃO

Abordar clinicamente o paciente idoso exige o emprego de técnicas adequadas, que permitam obter informações não só detalhadas, mas também precisas. Gostaríamos de realçar o número de vezes que remetemos o leitor a outros capítulos para obter dados mais completos sobre o assunto em pauta. O essencial para oferecer um atendimento adequado a pessoas de idade avançada é conhecer o processo de envelhecimento com toda sua complexidade, porém nunca se satisfez com a explicação de que "é normal para a idade" qualquer sinal ou sintoma antes de avaliá-lo devidamente. Por mais complexo que isso torne o atendimento, queixas vagas ou inespecíficas não devem ser deixadas de lado. Não se deve esquecer, também, o quanto é freqüente a associação de diagnósticos nesta fase da vida. Acima de tudo, deve prevalecer o bom senso, particularmente no momento da prescrição. As medidas terapêuticas devem privilegiar a medicina física e a dietoterapia, evitando-se ao máximo o uso de interação medicamentosa entre elas, de ocorrerem efeitos colaterais indesejáveis ou de que o paciente simplesmente não obedeça à prescrição médica.

Fonte: http://www.psiquiatriageral.com.br/geriatria/aspectos6.htm