ENFERMAGEM, CIÊNCIAS E SAÚDE

Gerson de Souza Santos - Bacharel em Enfermagem, Especialista em Saúde da Família, Mestrado em Enfermagem, Doutorado em Ciências da Saúde - Universidade Federal de São Paulo. Atualmente professor do Curso de Medicina do Centro Universitário Ages - Irecê-Ba.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Distúrbios Dissociativos


A dissociação é um mecanismo de defesa psicológico no qual a identidade, a memória, as idéias, os sentimentos ou as percepções são separados da percepção consciente e não podem ser recuperados ou vivenciados voluntariamente. Todo mundo dissocia ocasionalmente. Por exemplo, após dirigir até a sua casa, as pessoas freqüentemente percebem que não conseguem se lembrar muito da viagem porque estavam preocupadas com problemas pessoais ou estavam prestando atenção a um programa radiofônico. Durante a hipnose, o indivíduo pode dissociar os sentimentos da dor física. No entanto, outras formas de dissociação provocam uma ruptura entre as sensações do indivíduo de si mesmo e as percepções dos fatos da vida. Os distúrbios dissociativos incluem a amnésia dissociativa, a fuga dissociativa, o distúrbio dissociativo da identidade, o distúrbio da despersonalização, e um grupo de distúrbios menos bem definidos, que os psiquiatras denominam distúrbio dissociativo sem outros dados específicos. Esses distúrbios dissociativos freqüentemente são desencadeados por um estresse avassalador, que pode ser causado pela experiência ou pela observação de um evento traumático, um acidente ou um desastre. Ou um indivíduo pode vivenciar um conflito interno tão intolerável que a sua mente é forçada a separar as informações e os sentimentos incompatíveis ou inaceitáveis procedentes do pensamento consciente.

Amnésia Dissociativa

A amnésia dissociativa é a incapacidade de recordar informações pessoais importantes, normalmente de natureza traumática ou estressante, que é muito generalizada para poder ser justificada como um esquecimento normal. Geralmente, a perda de memória inclui informações que fazem parte da percepção consciente habitual ou memória “autobiográfica” (quem ele é, o que faz, de onde veio, com quem falou, o que foi dito, pensado e sentido etc.). Algumas vezes, as informações, apesar de esquecidas, continuam a influenciar o comportamento do indivíduo. Os indivíduos com amnésia dissociativa habitualmente apresentam uma ou mais lacunas de memória que se estendem de alguns minutos a algumas horas ou dias. No então, permanecem bem documentados intervalos de memória abrangendo anos ou mesmo toda a vida. Normalmente, os limites em torno da lacuna de memória são nítidos.

A maioria dos indivíduos têm consciência de que “perderam algum tempo”, mas alguns que apresentam amnésia dissociativa têm consciência da perda de tempo somente quando eles percebem ou são confrontados com evidências de haverem realizado coisas, das quais eles não se recordam. Alguns esquecem alguns eventos, mas não todos, ocorridos em um determinado período de tempo e outros não conseguem se recordar de todo o período de vida anterior ou esquecem coisas à medida que elas ocorrem. A incidência da amnésia dissociativa é desconhecida, mas o distúrbio é mais comum em adultos jovens. A amnésia é mais comum em indivíduos que se envolveram em guerras, acidentes ou catástrofes naturais. Existem muitos relatos de indivíduos com amnésia de episódios de abuso sexual na infância, que se lembraram dos episódios na vida adulta. A amnésia pode ocorrer após um evento traumático e a memória pode ser recuperada com o tratamento, eventos posteriores ou informações que o indivíduo recebe. Não obstante, não se sabe se essas memórias recuperadas refletem eventos reais no passado do indivíduo. Foram demonstradas recuperações de memórias tanto exatas quanto inexatas.

Causas

A amnésia dissociativa parece ser causada pelo estresse (experiências traumáticas vivenciadas ou testemunhadas, situações de estresse importantes na vida ou conflitos internos graves). Os episódios de amnésia podem ser precedidos por abusos físicos, experiências sexuais ou situações emocionalmente avassaladoras, nas quais ocorre ameaça de lesão ou morte (p.ex., estupro, combate ou desastre naturais, como incêndios ou inundações). As situações de maior estresse na vida incluem o abandono, a morte de um ente querido e a ruína financeira. A inquietude gerada por impulsos de culpabilidade, as dificuldades aparentemente insolúveis ou o comportamento criminoso também podem acarretar a amnésia. De modo geral, acredita-se que os indivíduos que são facilmente hipnotizados apresentam maior probabilidade de apresentar amnésia que os outros.

Sintomas e Diagnóstico

O sintoma mais comum de amnésia dissociativa é a perda da memória. Logo após de se tornar amnésico, o indivíduo pode parecer confuso. Muitos indivíduos amnésicos apresentam um certo grau de depressão. Alguns tornam-se muito angustiados com a amnésia e outros, não. Outros sintomas e preocupações dependem da importância das informações esquecidas e de sua conexão com os conflitos pessoais ou das conseqüências do comportamento esquecido. Para estabelecer o diagnóstico, o médico realiza um exame físico e psiquiátrico. São realizados exames de sangue e de urina para se verificar a presença de alguma substância tóxica (p.ex., uma droga ilícita) que possa ser a responsável pela amnésia. Um eletroencefalograma é capaz de determinar se a causa é um distúrbio convulsivo. Testes psicológicos especiais também ajudam o médico a caracterizar as experiências dissociativas do paciente.

Tratamento e Prognóstico

É essencial uma atmosfera de apoio na qual o indivíduo sinta-se seguro. Freqüentemente, apenas esta medida acarreta uma recuperação espontânea gradual das lembranças perdidas. Se a memória não for recuperada espontaneamente ou se a sua recuperação for urgente, as técnicas de recuperação da memória são freqüentemente bem eficazes. Por meio da hipnose ou do efeito de determinados medicamentos que facilitam a entrevista, o médico interroga o paciente sobre o seu passado. O médico deve ter muito cuidado porque as circunstâncias que estimularam a perda de memória podem ser recuperadas no processo e isto pode ser muito perturbador. Não é possível supor que as recordações recuperadas por meio dessas técnicas sejam exatas. Somente a corroboração externa pode determinar a sua precisão. No entanto, o fato de preencher ao máximo as lacunas de memória poderá contribuir para o restabelecimento da continuidade da identidade e o sentido do ego. Uma vez desaparecida a amnésia, o tratamento contínuo ajudará o indivíduo a compreender o trauma ou os conflitos que causaram o distúrbio e a encontrar meios para solucioná-los. A maioria dos indivíduos recupera o que parece ser suas recordações perdidas e soluciona os conflitos responsáveis pela amnésia. Entretanto, alguns nunca conseguem romper as barreiras que impedem a reconstrução do seu passado perdido. O prognóstico é determinado em parte pelas circunstâncias da sua vida, particularmente o estresse e conflitos que provocaram a amnésia.

Fuga Dissociativa

A fuga dissociativa consiste em uma ou mais saídas de um indivíduo de sua casa de modo repentino, inesperado e deliberado, durante as quais ele não recorda uma parte ou a totalidade de sua vida passada e não sabe quem é ou cria uma nova identidade. Afeta aproximadamente dois em cada mil indivíduos da população. E é mais comum em indivíduos que participaram de guerras, acidentes e desastres naturais.

Causas

As causas da fuga dissociativa são semelhantes às da amnésia dissociativa, mas com alguns fatores adicionais. Freqüentemente, a fuga dissociativa ocorre em circunstâncias nas quais pode haver suspeita de simulação. A simulação é um estado no qual o indivíduo finge apresentar uma doença, pois isto o livra de se responsabilizar por suas ações, serve como uma desculpa para evitar responsabilidades ou reduz a sua exposição a um risco conhecido, como a designação para realizar um trabalho perigoso. Além disso, muitas fugas parecem representar realizações de desejos disfarçados (p.ex., escapar de um estresse insuportável, como o divórcio ou a ruína financeira). Outras fugas estão relacionadas a sentimentos de rejeição ou de separação ou podem proteger o indivíduo do suicídio ou de impulsos homicidas.

Sintomas e Diagnóstico

Um indivíduo em estado de fuga, tendo perdido sua identidade habitual, geralmente desaparece dos locais de costume, deixando a família e o trabalho. Ele pode realizar viagens distantes de seu domicílio e começar um novo trabalho com uma nova identidade, sem perceber qualquer mudança em sua vida. A fuga pode durar de algumas horas até semanas ou meses ou, ocasionalmente, mais tempo. O indivíduo pode parecer normal e não chamar a atenção. No entanto, em algum momento, ele pode dar-se conta da amnésia e/ou ficar confuso em relação à sua identidade. Algumas vezes, a fuga não pode ser diagnosticada até o indivíduo recuperar a identidade prévia e este sofre por encontrar-se em circunstâncias estranhas.

Freqüentemente, durante a fuga, o indivíduo não apresenta sintomas ou tem apenas uma discreta confusão mental. No entanto, quando a fuga termina, ele apresenta depressão, desconforto, tristeza, vergonha, um conflito intenso e impulsos suicidas ou agressivos. Em outras palavras, o indivíduo subitamente pode ter que enfrentar a situação dolorosa da qual ele escapou através da fuga. Além disso, ele também vai sentir-se confuso, angustiado ou mesmo aterrorizado por ter permanecido em estado de fuga, pois ele geralmente não se lembra dos eventos ocorridos durante esse período. Uma fuga é raramente reconhecida enquanto ocorre.

O médico pode suspeitar desse distúrbio quando o indivíduo parece confuso em relação à sua identidade, mostra-se perplexo sobre seu passado ou quando a confrontação o faz duvidar de sua nova identidade ou da falta de uma identidade. O diagnóstico é geralmente realizado retroativamente, por meio da revisão da história do paciente e da coleta de informações que documentem as circunstâncias anteriores ao abandono do local, à fuga em si e ao estabelecimento de uma vida alternativa. Quando as fugas dissociativas repetem-se mais que umas poucas vezes, pode-se afirmar que se trata de um caso de distúrbio dissociativo da identidade.

Tratamento e Prognóstico

O tratamento para uma fuga em evolução inclui a tentativa do médico de coletar informações sobre a verdadeira identidade do indivíduo, a dedução da razão do abandono dessa identidade e o auxílio na sua restauração. Se as informações não puderem ser obtidas diretamente do indivíduo, será necessário o auxílio da polícia e de assistentes sociais. A fuga dissociativa é tratada de forma muito parecida com a amnésia dissociativa e pode incluir o uso da hipnose ou de entrevistas facilitadas por medicamentos. Contudo, freqüentemente, todos os esforços para a restauração das recordações do período de fuga são infrutíferos.

O psiquiatra pode auxiliar o indivídio a explorar os mecanismos de enfrentamento de situações, conflitos e estados de espírito que desencadearam o episódio de fuga. A maioria das fugas dura horas ou dias e desaparecem espontaneamente. O comprometimento é normalmente leve e de curta duração, exceto se algum comportamento prévio ou durante a fuga acarrete suas próprias complicações. Se a fuga for prolongada e se o comportamento antes ou durante a fuga for problemático, o indivíduo pode apresentar dificuldades consideráveis. Por exemplo, um homem pode ter abandonado sua família e suas responsabilidades profissionais, pode ter cometido um crime ou estabelecido um novo relacionamento em seu estado de fuga.

Distúrbio Dissociativo da Identidade

O distúrbio dissociativo da identidade, antigamente denominado distúrbio de personalidade múltipla, é uma condição na qual duas ou mais identidades ou personalidades alternam-se no controle do comportamento de um indivíduo e na qual ocorrem episódios de amnésia. O distúrbio dissociativo da identidade é uma condição grave, crônica e potencialmente incapacitante ou fatal. A incapacidade de algumas personalidades de lembrar de informações pessoais importantes (amnésia) mescla-se à percepção simultânea da informação por parte das outras personalidades existentes. Algumas personalidades parecem conhecer e interagir entre si em um mundo interior elaborado. Por exemplo, a personalidade

A pode ter consciência da personalidade B e saber o que B faz, como se estivesse observando o comportamento de B; a personalidade B pode ou não ter conhecimento da personalidade A. Outras personalidades podem ou não ter conhecimento da personalidade B e, a personalidade B pode ou não ter conhecimento das outras personalidades. Os indivíduos com esse distúrbio freqüentemente tentam o suicídio e acreditase que eles apresentam maior probabilidade de cometer o suicído do que os indivíduos com qualquer outro tipo de distúrbio mental. O distúrbio dissociativo da identidade parece ser bastante comum.

Ele pode ser observado em 3 a 4% dos indivíduos internados por outros problemas psiquiátricos e em uma determinada minoria de pacientes internados em instituições especializadas em dependências de drogas. O aumento do conhecimento sobre esse distúrbio fez com que ele fosse diagnosticado mais freqüentemente nos últimos anos. O conhecimento das conseqüências do abuso infantil e a melhoria dos métodos diagnósticos também levaram a uma maior freqüência do diagnóstico do distúrbio dissociativo da identidade. Embora alguns especialistas acreditem que o aumento no número de relatos desse distúrbio reflita a influência de médicos sobre pacientes sugestionáveis, não existem evidências que consubstanciem esse ponto de vista.

Causas

O distúrbio dissociativo da identidade parece ser causado pela interação de vários fatores: • Estresse avassalador, por exemplo, abuso emocional ou físico sofrido durante a infância • Uma capacidade de separar as próprias memórias, percepções ou identidades da percepção consciente (capacidade dissociativa) • Consolidação de um desenvolvimento anormal antes do estabelecimento de uma visão unificada do eu e dos outros. • Proteção e cuidados insuficientes durante a infância O desenvolvimento humano exige que as crianças sejam capazes de integrar tipos complicados e diferentes de informações e experiências. À medida que as crianças aprendem a forjar uma identidade coesa e complexa, elas passam por fases nas quais diferentes percepções e emoções são mantidas separadas. Elas podem usar diferentes percepções para gerar eus diferentes, mas nem toda criança que sofre abuso ou alguma perda ou trauma importante tem a capacidade de desenvolver múltiplas personalidades. As que efetivamente a possuem também apresentam mecanismos normais de enfrentamento e a maioria dessas crianças vulneráveis recebe proteção, carinho e cuidados suficientes por parte dos adultos e, dessa forma, não desenvolve um distúrbio dissociativo da identidade.

Sintomas

Os indivíduos com distúrbio dissociativo da identidade freqüentemente apresentam uma gama de sintomas que podem ser semelhantes aos de outros distúrbios psiquiátricos. Os sintomas podem ser similares aos dos distúrbios da ansiedade, distúrbios da personalidade, da esquizofrenia, dos distúrbios do humor e dos distúrbios convulsivos. A maioria dos indivíduos apresenta sintomas de depressão, ansiedade (desconforto ao respirar, pulso rápido, palpitações), fobias, crises de pânico, disfunção sexual, distúrbios alimentares, estresse pós-traumático e sintomas que simulam os distúrbios de doenças orgânicas. Eles podem demonstrar preocupação com o suicídio (os suicídios são comuns), assim como episódios de automutilação. Muitos indivíduos com distúrbio dissociativo da identidade fazem uso abusivo de drogas ou de bebidas alcoólicas em alguma momento da vida.

A mudança de personalidade e a não consciência do próprio comportamento nas outras personalidades freqüentemente fazem com que a vida do indivíduo se torne caótica. Como as personalidades freqüentemente interagem umas com as outras, os indivíduos informam ouvir conversas internas e as vozes de outras personalidades. Trata-se de um tipo de alucinação. Vários aspectos são característicos do distúrbio dissociativo da identidade: • Sintomas diferentes que ocorrem em ocasiões diferentes • Uma capacidade flutuante de desempenho, desde realizar bem as tarefas laborativas e domésticas até a incapacidade • Cefaléias intensas ou outra dor física • Distorções do tempo, lapsos de tempo e amnésia • Despersonalização e desrealização (sentimento de estar separado do eu e sensação de que o meio ambiente é irreal) Os indivíduos com distúrbio dissociativo da identidade freqüentemente são alertados sobre coisas que fizeram, mas não conseguem se lembrar de tê-las realizado. Outras pessoas também podem comentar sobre mudanças de comportamento de que eles não se lembram.

Eles podem descobrir objetos, produtos ou papéis escritos que não conseguem explicar e nem reconhecer. Freqüentemente, referem-se a si próprios como “nós”, “ele” ou “ela”. Embora a maioria dos indivíduos não consiga se lembrar muito dos três a cinco primeiros anos de vida, aqueles com distúrbio dissociativo da identidade freqüentemente também não conseguem lembrar muito os eventos ocorridos entre os seis e onze anos de idade. Tipicamente, os indivíduos com distúrbio dissociativo da identidade apresentam uma história de três ou mais diagnósticos psiquiátricos prévios diferentes e de não resposta aos tratamentos. Eles demonstram muita preocupação em relação às questões do controle, tanto do autocontrole como do controle dos outros.

Diagnóstico

Para estabelecer o diagnóstico do distúrbio dissociativo da identidade, o médico realiza uma entrevista médica e psiquiátrica completa, questionando em especial sobre as experiências dissociativas. Entrevistas especiais foram desenvolvidas para ajudar na identificação do distúrbio. Além disso, o médico pode entrevistar o paciente durante longos períodos, solicitar que ele mantenha um diário entre as consultas e usar a hipnose ou entrevistas facilitadas por medicação para ter acesso às personalidades. Essas medidas aumentam a probabilidade do indivíduo passar de uma personalidade à outra durante a avaliação. Gradativamente, o médico traz à tona várias personalidades, pedindo que fale a parte da mente que se encontrava envolvida em um determinado comportamento. Pode ser que o paciente não se recorde desse comportamento ou que ele o tenha vivenciado mais como um espectador do que como sujeito ativo (como se a experiência fosse um sonho ou irreal).

Distúrbio Dissociativo da Identidade e Abuso Infantil: Uma Conexão


Quase todos (97 a 98%) os adultos com distúrbio dissociativo da identidade relatam ter sofrido algum tipo de abuso durante a infância. Isso pode ser documentado para 85% dos adultos e 95% das crianças e adolescentes com distúrbio dissociativo da identidade. Embora o abuso infantil seja uma causa importante do distúrbio dissociativo da identidade, isto não significa que todos os abusos específicos alegados pelos pacientes realmente ocorreram. Alguns aspectos de determinadas experiências relatadas são claramente inexatos. Alguns pacientes não sofreram abuso, mas uma perda importante precoce, como a morte de um dos genitores, uma doença grave ou alguma outra experiência muito estressante.

Tratamento e Prognóstico

O distúrbio dissociativo da identidade requer a psicoterapia, que é geralmente facilitada pela hipnose. Os sintomas podem surgir e desaparecer espontaneamente, mas o distúrbio não desaparece por si. A medicação pode aliviar alguns sintomas específicos, mas não afeta o distúrbio em si. Comumente, o tratamento é árduo e emocionalmente doloroso. O indivíduo pode vivenciar muitas crises emocionais decorrente de ações das personalidades e do desespero que podem ocorrer quando memórias traumáticas são recordadas durante a terapia. Freqüentemente, são necessários vários períodos de internação psiquiátrica para ajudá-lo a atravessar os períodos difíceis e lidar com as memórias particularmente dolorosas.

O médico freqüentemente utiliza a hipnose para trazer à tona (ter acesso) as personalidades, facilitar a comunicação entre elas, estabilizá-las e integrá-las. A hipnose também é utilizada para reduzir o impacto doloroso das memórias traumáticas. Geralmente, são necessárias duas ou mais sessões de psicoterapia por semana durante um período de três a seis anos. As sessões visam integrar as personalidades em uma só ou uma interação harmoniosa entre as personalidades que permita uma vida normal e sem sintomas. A integração das personalidades é o ideal, mas nem sempre ela é possível para todos os indivíduos com esse distúrbio. As visitas ao terapeuta são diminuídas gradualmente, mas é raro que elas terminem.

De vez em quando, os pacientes podem consultar o terapeuta para auxiliá-los a enfrentar problemas psicológicos, do mesmo modo que podem fazê-lo periodicamente com seu próprio médico. O prognóstico dos indivíduos com distúrbio dissociativo da identidade depende dos sintomas e das características do distúrbio. Alguns apresentam sintomas predominantemente dissociativos e características pós-traumáticas, isto é, além dos problemas de identidade e de memória, eles sentem ansiedade em relação aos eventos traumáticos e ao alívio e recordação dos mesmos. Normalmente, eles recuperam-se bem e levam uma vida normal. Outros indivíduos apresentam outros problemas psiquiátricos graves (p.ex., distúrbios da personalidade, do humor, da ingestão de alimentos e dependência de drogas).

Seus problemas melhoram mais lentamente e o tratamento pode ser menos eficaz, mais prolongado e com mais crises. Finalmente, alguns indivíduos, além de apresentarem problemas psicológicos graves, também permanecem profundamente envolvidos com as pessoas acusadas de abuso. O tratamento é comumente longo e caótico e visa reduzir e aliviar os sintomas e não obter a integração. Algumas vezes, mesmo um paciente com um prognóstico ruim melhora o suficiente com a terapia para sobrepujar o distúrbio e avança rapidamente para a recuperação.

Distúrbio da Despersonalização

O distúrbio da despersonalização caracterizase por sentimentos persistentes ou recorrentes de estar separado do próprio corpo ou dos processos mentais. O indivíduo com distúrbio da despersonalização geralmente sente-se como se fosse um observador externo de sua vida. Ele pode sentir-se e sentir o mundo como irreais ou como um sonho. A despersonalização pode ser um sintoma de outros distúrbios psiquiátricos. De fato, ela representa o terceiro sintoma psiquiátrico mais comum (depois da ansiedade e da depressão) e, com freqüência, ocorre após o indivíduo ter passado por por um perigo potencialmente letal (p.ex., acidente, assalto ou doença ou lesão grave). Como um distúrbio isolado, o distúrbio da despersonalização não tem sido amplamente estudado e a sua incidência e as suas causas não são conhecidas.

Sintomas e Diagnóstico

Os indivíduos com distúrbio da despersonalização apresentam uma percepção distorcida da identidade, do corpo e da vida, o que os incomoda. Freqüentemente, os sintomas são temporários e surgem ao mesmo tempo que os da ansiedade, do pânico ou do medo (fobia). No entanto, eles podem persistir ou retornar durante muitos anos. Os indivíduos com o distúrbio freqüentemente apresentam uma grande dificuldade para descrever os seus sintomas e podem ter medo de enlouquecer ou acreditam que estão enlouquecendo. O distúrbio da despersonalização pode ser um problema menor e passageiro, com pouco efeito perceptível sobre o comportamento. Alguns indivíduos conseguem ajustar-se ao distúrbio da despersonalização ou conseguem inclusive bloquear o seu impacto. Outros são continuamente atormentados pela ansiedade em relação ao seu estado mental, temem estar enlouquecendo ou ficam refletindo sobre as percepções distorcidas de seu corpo e a sensação de distanciamento de si mesmos e do mundo. A angústia mental os impede de se concentrar no trabalho ou nas atividades cotidianas e eles podem terminar inválidos. O diagnóstico de distúrbio da despersonalização é baseado nos sintomas. O médico avalia o indivíduo para descartar qualquer doença orgânica (p.ex., distúrbio convulsivo), dependência de drogas e a possibilidade de um outro distúrbio psiquiátrico. Procedimentos especiais de entrevista também ajudam o médico a identificar o problema.

Tratamento e Prognóstico

A sensação de despersonalização freqüentemente desaparece sem tratamento. O tratamento é justificável apenas quando o problema persiste, recorre ou causa angústia. A psicoterapia psico-dinâmica, a terapia comportamental e a hipnose têm sido eficazes, mas nenhum tipo de tratamento isolado revelou ser eficaz para todos os indivíduos com distúrbio da despersonalização. Os medicamentos tranqüilizantes e os antidepressivos são úteis em alguns casos. A despersonalização freqüentemente está associada ou é desencadeada por outros distúrbios mentais, que deverão ser tratados. Qualquer estresse associado ao início (surgimento) do distúrbio da despersonalização também deve ser tratado. Normalmente, é obtido algum grau de alívio. Para muitos indivíduos, a recuperação completa é possível, sobretudo para aqueles cujos sintomas ocorrem em conexão com estresses que podem ser eliminados durante o tratamento. Um grande número de indivíduos com distúrbio da despersonalização não respondem satisfatoriamente ao tratamento, embora eles possam apresentar uma melhora gradual espontânea.

Fonte: Manual Merck